São Paulo (SP) – O primeiro painel da I Conferência Nacional de Direito do Consumidor abordou, nesta quinta-feira (4), a campanha Mero Aborrecimento tem Valor, lançada em 2016 pelo Conselho Federal da OAB em parceria com as Seccionais da Ordem.
A mesa foi presidida por Ewerton Kleber, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-PE; teve como relatora Anna Waléria Sampaio de Araújo, membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB Nacional; e como palestrantes o advogado Marcos Dessaune, o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-MT, Rodrigo Palomares Maiolino de Mendonça, e o desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tutmés Airan.
O advogado e consultor Marcos Dessaune falou sobre a teoria do desvio produtivo do consumidor. Segundo ele, sempre que um fornecedor atende mal, cria um programa de consumo potencial ou efetivamente danoso e ainda se esquiva da responsabilidade de sanar esse problema induz o consumidor em estado de carência e condição de vulnerabilidade a gastar o seu tempo vital, adiar ou suprimir algumas de suas atividades que geralmente são existenciais, a desviar-se de sua rotina e dos seus planos e muitas vezes a assumir deveres e custos profissionais que são do fornecedor, porque o CDC impõe tais deveres e custos ao fornecedor.
“E porque o consumidor age assim? Para satisfazer determinada carência, necessidade ou desejo ou expectativa, para evitar um prejuízo ou para reparar algum dano. Essa série de condutas é o que caracteriza o desvio dos recursos produtivos do consumidor e ficou chamado apenas de desvio produtivo do consumidor. Isso gera alguns problemas, como haveria de ser, porque as pessoas entendem que o desvio seria produtivo. Só que o adjetivo produtivo está aqui para qualificar os recursos que foram desviados: tempo e competências. Foram desviados na tentativa de sanar os problemas de consumo que não deveriam existir e aos quais o consumidor não deu causa”, disse ele.
Rodrigo Palomares, na sequência, falou sobre o lançamento da campanha, em 2016, e sobre mecanismos para identificar situações que caracterizam ou não mero aborrecimento. “A grande indagação no início era como recorrer de algo que não possui fundamento jurídico. A ideia de que trata-se de meras situações do cotidiano fez nascer questionamentos sobre sentenças com bases subjetivas e arbitrárias. Logo, é sim um momento de repensarmos nossas relações, buscando o aprofundamento dos estudos na seara do direito do consumidor pela ampliação do diálogo entre instituições, focando na responsabilidade civil”, disse.
O desembargador do TJ-AL, Tutmés Airan, fez uma reflexão em tom crítico à lógica do argumento do mero aborrecimento e disse que a Justiça acaba se boicotando ao lançar mão de tal premissa para negar os direitos de consumidores lesados. “Quando eu crio um argumento como esse do mero aborrecimento estou me boicotando. Estou me negando porque estou dizendo para as pessoas: ‘não tragam conflito para mim porque não tenho disposição ou vontade de resolvê-lo. Resolva de outra forma ou então, já que não encontra meios de resolução, internalize a contrariedade’. Este não é o papel do poder Judiciário. O Judiciário não nasceu para isso, não é essa sua função. É a primeira questão que essa teoria (mero aborrecimento) provoca. Além disso, tem uma série de outras questões em cadeia extremamente preocupantes”, afirmou ele.
De acordo com Airan o argumento do mero aborrecimento provoca ainda reação semelhante a uma sociedade sem regras, que é a imprevisibilidade. “Nesse campo do mero aborrecimento estamos num pântano da imprevisibilidade e isso é muito grave”, acrescentou ele.